Ao terminá-lo, o sentimento que nos invade é de serena e lúcida confiança. Portugal durou já
oito séculos, «não porque se furtou a viver», mas «precisamente porque viveu». Tem de
continuar a viver para continuar a durar. E só pode viver, só pode durar à sombra daquelas
verdades permanentes que presidiram à sua vida e duração na História, e por serem
permanentes, pairam em regiões intemporais, possuem actualidade sobranceira às gerações e
às eras.
Assiste-se entre nós, nos últimos anos, a um esforço sistemático de construção —
melhor: de reconstrução — portuguesa. Se pousasse em alicerces precários ou frágeis, a
tarefa de quem tão inteligente e sòlidamente o efectua teria de ser comparada à de Sisifo:
penosamente levantado até o cimo da montanha, após mil canseiras e vitórias, de novo o
rochedo se despenharia, esmagador, pela escarpa íngreme. Não é concebível esse desfecho
para o ciclo de ressurgimento que saudamos. Repudie-se a imagem absurda — como quem,
olhos abertos à luz da manhã que rompe, vê dissolverem-se as más sombras dos pesadelos
nocturnos. Poderemos admitir o triste malogro de Sisifo, se nos disseram:—«obra lenta, bem
sei; mas o que está feito não tem que sê-lo outra vez»?
Libertos, pois, de pesadelos; confiados no exemplo e na beleza da grande caminhada
secular; nas virtudes do povo, que são as mesmas de sempre, ainda enobrecidas e reforçadas
por longo amadurecimento colectivo, por longo prestígio de Senhores da mais antiga
comunidade europeia; animados da profunda certeza de termos reencontrado as nossas
directrizes espirituais e cívicas e de as seguirmos até o fim — é o momento de superar as
contingências da hora, a porção de indefinido que existe em tudo quanto se faz e não está
findo, o peso morto do não-ser que ofusca e limita a pura claridade do ser, e de anunciar, sem
timidez nem vacilação, que, diante de nós, a História de Portugal não acaba. Ao contrário:
vêmo-la prolongar-se pelas idades fora, a perder de vista. Os oito séculos já andados serão
apenas o seu prólogo magnífico. Com eles, para além deles — a História de Portugal começa!